por Luís Nóbrega
um coração tatuado de ausências tem uma multidão lá dentro.
e reconhece, cara a cara, cada rosto estigmata, cada marca da dor e da alegria, não do tempo, o tempo não nos faz, vai-se fazendo...
bem sabes disso, tu que lutas contra portas macambúzias, que te obrigam a caminhar em desertos desorientados de silêncio, que,
num barco inseguro, tantas vezes oprimido por margens empedradas,
vais acostando nos embarcadouros precários da ilusão, mas ainda acreditas nos "pássaros que trazemos dentro", que mesmo ausentes anunciam a Primavera, prometem poisar nos vazios que estão lá dentro, à espera.
vais descobrindo coragem no arrulhar matutino da continuidade,
no sorriso do teu rio que salta solto em todo recanto livre,
tem raízes nesse encanto a que chamas liberdade,
e a tua palavra pulsa ritmada por uma força verdadeira,
a tua voz fraterna sempre inteira.
uma multidão de ausentes é um coração com muita gente, e que o teu vazio também possa preencher alguém.
ou:
se aquele que está ausente
ficou no coração de alguém
esse vazio na gente
ocupa um lugar também.
parabéns poeta amigo
um grande abraço
lento o movimento da paisagem
a quem me entrego
envolvência fundamental
que quem olha o libertar das coisas…
e que coisas!!!
tão incompreensivelmente sensíveis
tão irremediavelmente belas!!!
revejo-me…
na atitude contemplativa
de quem parece não estar
de quem parece não querer
interferir na orogénese
desse poema… chão onde desperta
uma ruína inócua…
é magnífico… o congregar
de todos os sentidos…
dos tempos outrora vividos
o convergir de outros rios
mais ou menos poluídos
o emergir desses fluidos
que desaguam num só pensamento
ah! poder revelar o odor do vento!
correr ao reencontro dessa
invisível e matinal maresia…
somos, agora, um murmurar de cheiros
ondulante marulhar das ondas
que invadem os derradeiros poentes
onde nos abraçámos
somos, também, amor
onde ficámos
de corpos eternamente possuídos
somos, os mais rendidos
a essa acesa fé
que nos condena…
somos, enfim, poema
que sempre se liberta e quer
no breve sorrir de quem
sabe [a] mar…
procuro-te!.. no perfume que perdura à tua passagem pelas minhas latitudes… apetecível que é o teu aroma… ternura que perfila a aveludada fragrância de uma rosa… flor de minha solitária veneração… que das tuas pétalas se faça um coração… inteiro de bravura e de bondade… e desse mesmo amor… a liberdade; o verdadeiro sentir que nós se instala… que a voz desse lugar… saudade que não cala… o clamar de ausências sem sentido… nos traga… o que nos foi tão prometido…