porque fazes de nós tanta cegueira
que não permite senão imaginar-te?...
talvez porque tanta gente diz crer em ti
eu falo como se existisses de verdade...
mas creio realmente tu tivesses desistido...
o que é isso de seres maior?... de seres
mais alto e intocável?... o todo poderoso!...
jamais serei ao pé de alguém verdade viva
se não estiver entre outros à mesma altura
não abdicarei da igualdade mesmo que
imposta a ignorância...
mesmo que exista pouco concreta essa distância
que faz de nós desconhecidos.
falar de ti mesmo sabendo que só eu
existo de certeza...
faz de mim uma incessante dúvida e de ti
um não sei quê de incerteza...
não crio estrelas nem montanhas
mas contemplo-as!
não crio homens animais
mas tento respeitá-los
repugnantes e abjectos somos nós
à tua imagem
e a tua vida como a nossa
só repousa na miragem.
As janelas degradam-se, nas velhas fachadas podres… sofrem!..., aos olhares de quem as sente moribundas:… a imediata falência; o sucumbir de uma geometria já cansada e gasta de olhar a rua imediatamente acima do paralelo, do granito da calçada… Ah! Poder ser outra a perspectiva!... Empenas esventradas pela corrosão do tempo; arquitecturas erodidas pelas intempéries ácidas de muitas meteorologias hostis. As vidas que ocultam ou já só mortes sepultadas. E as almas que partiram pelo saguão… ascenderão ainda nas escadas?!... Os mortos de amanhã albergam em si os cancros que hoje perpetuarão o sofrimento. Quero esquecer tudo! Quero lembrar tudo!... Quero esclarecer, acima de tudo, o nosso mito…. Animais de montanha errando numa cidade de claridades artificiais. De onde sobressai a sombra da indiferença; a divergência assimétrica da barraca; a casa desigual do sem-abrigo; um complexo habitacional desurbano e desumano, que encerra a clandestinidade dos exilados da fome. Um realodrama fechado em condomínio de lata. Refúgio onde a pobreza se multiplica vezes sem conta.
A paixão?...: Não mais do que um saudosismo do inalcançável; de tudo que não se achou e se acha perdido. A imagem que me persegue. A imagem dela persegue…-me nas paisagens e nos sons desencontrados que chegam à escotilha móvel do comboio…. A caminho da tua casa, da minha casa, da nossa rua, do nosso sub-mundo quente e acolhedor.
À minha direita sempre o rio que sempre te reflecte imensa!...
Gentes caladas e pensativas. Cismando, quem sabe, na exaustão do ferro; no cansaço desejado do regresso… o avesso da partida; na troca de um olhar: a dádiva conseguida…
as palavras vitrificam
no verde da agonia!...
reflexos interiores
que se quebram como espelhos
à surdez do grito
olhar despedaçado
pelo estilhaçar do silêncio
de quem aflito responde
a uma qualquer repressão
a intenção sedutora da liberdade
a violência da vontade de não calar…
esculpida na expressão dilacerante da afonia
a fisionomia da tranquilidade explosiva de uma nebulosa
a estridente melancolia dos sem-voz
o desespero de quem como nós
se exprime a qualquer preço
o que mereço… é só loucura
é só alucinação cósmica:… a cor irreal
da insanidade latejante de um pensamento
frio no infinito padecer da alma
no vórtice desse outro inferno que nos aclama
matéria para combustão e sofrimento
imagem: Kathe Kollwitz
poder pensar assim é como
ter todas as janelas abertas
ausente que está a casa de onde partimos
a claridade que despertou em nós
crianças breves…
jamais esquecidas
pensar…
reflexo húmido e cristalino
de um olhar atento à liberdade…
esse pequeno universo de memórias
que nos provoca pranto que nos
repõe alento
lugar onde se refazem de novo auroras
o caos de onde queremos despertar...
penso, como tu, as cintilações
do néctar raro de nossos sonhos
beyond the love
beyond the sadness of "graysy" days
your paradise keeps me alive
the sun will raise your smile
always
by Latitudes
até que esses momentos intensos me esgotem a ansiedade
e o terror de adormecer antes de te tocar me cristalize a
ideia e o movimento…
até que o teu amor seja o mesmo infindável sentimento…
até que o cio meu corpo animal desperte então…
e a tua forma de estar só, reduza a dois a solidão…
aguardarei o estio amadurecimento da espera…
porque sei na tua indecisão haver também uma oculta
e apetecível Primavera.
imagem: Stanislav Istratov
é revigorante e inspirador…
poder, por vezes, participar nesses breves momentos em que se inscrevem os teus mais delicados brilhos… tremulações esplendorosas de teus olhos contemplando apenas uma estrela num universo de cintilações infinitamente sedutor... palavras que acaricias com suaves e prolongados gestos onde revelas os teus afectos… fragrâncias amenas como os dialectos das flores que me ofereces ao anoitecer
é apaixonante quando posso partilhar da tua comoção… é enternecedor quando te acalma o meu abraço e te secam as lágrimas meus lábios absorventes
é-me benigna a forma que sempre encontras para me segurar em tua boca depois de uma fúria... é terno o teu abraço… é quente e doce esse espaço onde me acolhes
velo tuas insónias… porque é noite… porque é tarde, talvez, este pequeno intervalo em que te desejo e acredito…
porque é longínquo, talvez, o lugar onde te amo…
imagem: © Emil Alzamora
invade a aparente
irracionalidade do traço
que se mostra exacto…
pensamento
que se deseja concreto
mas não domino
sonho…
caminhar anguloso
no caos da vida
de amor erguido
como bandeira…
caminhos que se entrecruzam
no limiar da humanidade…
pela nobreza do xisto
insisto no purificar da água
que nos renova
sonho…
navegar afluentes
e desaguar na foz
de um qualquer paraíso…
meandros de um rio sem destino
onde deslizo nesta demora
sonho…
olhar de aprumado encanto…
a insignificância que me apavora
eu!... coisa nenhuma
perdida a consciência
ao fim de um dia…
.
quem irá superar meu traço?
espero-vos à embocadura de um
despertar mais casual
pois que já perdido vou
nesse destino…
publicado originalmente em adesenhar